SEGUIR A JESUS
por Samuel Paulo Coutinho
Lucas 9:57-62
Quando andavam pelo caminho, um homem lhe disse: “Eu te seguirei por onde quer que fores”. Jesus respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”. A outro disse: “Siga-me”. Mas o homem respondeu: “Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai”. Jesus lhe disse: “Deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos; você, porém, vá e proclame o Reino de Deus”. Ainda outro disse: “Vou seguir-te, Senhor, mas deixa-me primeiro voltar e me despedir da minha família”. Jesus respondeu: “Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus”.
Você tem certeza de que é a Jesus quem você quer seguir?
1 Introdução
Eis um daqueles textos com mensagens difíceis que estão por todo o Novo Testamento. Um daqueles textos dos quais nós não gostamos muito de falar sobre. Não porque não conseguimos entendê-los, mas porque não conseguimos encontrar uma maneira de aplicá-los até as últimas consequências na nossa vida. Eles não se encaixam com a nossa maneira moderna de ver as coisas e nem com a nossa forma de viver.
Eu, pessoalmente, sou tremendamente constrangido por essas passagens porque eu sei que elas exigem muito mais de mim do que eu comumente estou disposto a dar. No entanto, eu não posso nega-las nem escondê-las. Elas estão lá, de forma clara e nítida.
Diante desses textos, nós claramente percebemos o quão distorcida foi a imagem do Jesus bíblico nos últimos séculos. Para muitos, Jesus não passa de um agente financeiro, que trabalha pelo progresso material do seu povo todo o tempo. Para outros, Jesus é um psicólogo que está muito preocupado com as nossas frustrações e traumas emocionais. Seu principal papel é nos trazer alívio emocional. Para outros ainda, Jesus é o amuleto que nos dá o poder de determinar tudo o que quisermos o que aconteça. No nome dele, nós podemos tudo. Em resumo, Jesus está focado em resolver todos os nossos problemas. Ele morreu na cruz para nos fazer felizes. Ele é tudo aquilo que nós precisamos que ele seja.
O problema é que quando olhamos para a bíblia, especialmente para esses textos dos quais estamos falando, não é exatamente essa a imagem que temos de Jesus. Seus ensinos eram pesados. Suas demandas eram exigentes. Ele não era o pregador do conforto, mas do sofrimento. Enquanto estamos concentrados na felicidade dos crentes, Jesus estava muito mais preocupado com a missão deles.
Mas não é fácil cumprir a missão vivendo na era do materialismo, do individualismo e do relativismo. Nossa cultura praticamente exige uma vida egoísta. A aceitação em nossa sociedade depende de sucesso financeiro e da aparência de felicidade, e isso geralmente implica em abrir mão daquilo que realmente importa, primeiro dos valores do Reino de Deus, e depois do tempo necessário para cumprir a missão e cuidar da família. Ou seja, isso geralmente implica em viver uma vida egoísta.
Mas existe uma séria contradição entre ser um seguidor de Jesus e viver essa vida egoísta, o que pode ser notado em qualquer leitura superficial dos evangelhos. Como poderíamos, então, viver vidas egoístas enquanto declaramos ser verdadeiros cristãos? Como poderíamos conviver com tamanha contradição ferindo a nossa consciência diariamente? A solução que nós encontramos foi criativa. Ao invés de deixarmos a vida egoísta, ou então de deixarmos de seguir a Jesus, nós modificamos nossa leitura da bíblia, de forma que seguir a Jesus passou a ter um outro significado, que não mais se opunha à vida egoísta; muito pelo contrário, até a apoiava. Em outras palavras, nós conseguimos desenvolver uma teologia que justificasse a nossa vida egoísta. As demandas pesadas e exigentes de Jesus foram relativizadas, pois passaram a não fazer tanto sentido quando tudo o que queremos é viver para nós mesmos.
Nessa leitura modificada que fazemos da bíblia, Deus está comprometido com a nossa ascensão social. Ele quer que tenhamos os melhores carros, os melhores empregos, as melhores roupas, as maiores mansões e as férias mais maravilhosas. E se isso não está acontecendo, alguma coisa está errada. O pressuposto desse tipo de teologia, que Deus deseja e trabalha para que desfrutemos o melhor dessa terra, nos deu a justificativa perfeita para vivermos vidas egoístas, focadas totalmente em nós mesmos a fim de alcançarmos o que chamamos de “o sonho de Deus para nós”. Mas, na verdade, só estamos fazendo exatamente o que gostaríamos de fazer, porém agora com a consciência livre da acusação de não estarmos vivendo o evangelho da cruz.
Diferente do que nós fizemos parecer, seguir a Jesus tem um custo alto. E, embora esse custo possa não significar a mesma coisa para todos, certamente ele deve ser um pouco pesado a todos. Seguir a Jesus não nos permite viver vidas egoístas, ou seja, centradas em nós mesmos.
Como veremos a seguir, é necessário revisitar as escrituras para verificar o elas verdadeiramente têm a dizer sobre o assunto. O que implica seguir a Jesus? Existe algum custo em seguir a Jesus? É fácil seguir a Jesus? Deus trabalha para que sejamos felizes aqui na terra?
2 O contexto
2.1 Qual o assunto do texto?
Esse texto de Lucas nos fala sobre o discipulado cristão. O termo discipulado pode ter dois sentidos diferentes. O primeiro diz respeito ao ato de seguir a Jesus. O segundo diz respeito ao ato de ensinar as pessoas a seguirem a Jesus. Hoje nós falaremos sobre o ato de seguir a Jesus.
Quando falamos em “seguir a Jesus”, subentendemos que existe um caminho que Jesus trilhou. Aquelas pessoas do texto já haviam ouvido a mensagem do evangelho, já faziam parte da multidão que acompanhava de longe a Jesus, e já sabiam que precisavam tomar a decisão de segui-lo de mais perto. E as perguntas que cada um deles deveria se fazer eram:
Que tipo de Messias é esse Jesus? É esse o tipo de Messias que eu quero seguir?
O que me custará segui-lo?
Quanto esforço precisarei empregar para segui-lo?
Essas perguntas são importantes, pois estão relacionadas profundamente com a mensagem que o evangelista Lucas quer passar.
2.2 Quem foi Lucas e qual a sua relação pessoal com esse texto?
Lucas, o autor desse evangelho, não foi um dos apóstolos de Jesus. Ele nem mesmo conheceu Jesus pessoalmente. Lucas também é o autor do livro de Atos dos Apóstolos. Na verdade, o evangelho e o livro de Atos formavam originalmente uma só obra, em dois volumes. Esse evangelho foi escrito cerca de 30 ou 40 anos depois da morte e ressurreição de Jesus. No entanto, sabemos que o evangelista conheceu testemunhas oculares do ministério de Jesus (Lc 1:1-4), as quais forneceram parte das informações que ele inseriu em seu evangelho. Também temos evidências suficientes para crer que Lucas foi companheiro de viagens do apóstolo Paulo.
Lucas, quando escreveu o seu evangelho, sabia exatamente o que significava negar-se a si mesmo, tomar sua cruz, e seguir a Jesus. Para ele, essa frase não era apenas um slogan para se colocar em camisetas, nem apenas uma frase de efeito para se cantar em músicas na igreja. Pelo contrário, era uma condição real que todo aquele que desejasse seguir a Jesus deveria considerar seriamente antes de se aproximar de Cristo.
Esse evangelista conheceu o sofrimento da igreja primitiva de Jerusalém, que começou caindo nas graças do povo, compartilhando o pão de casa em casa, compartilhando os seus bens com os irmãos mais pobres, mas que, tão logo os bens acabaram, e tão logo a perseguição começou, ficou prostrada de joelhos; tornou-se pobre, faminta, rejeitada e muito dependente da ajuda financeira de outras igrejas.
Ele conheceu e, provavelmente, participou em algum nível dos sofrimentos do apóstolo Paulo, o qual foi encarcerado várias vezes, cinco vezes recebeu dos judeus trinta e nove açoites, três vezes foi golpeado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofreu naufrágio, enfrentou perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos seus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos; muitas vezes ficou sem dormir, passou fome e sede, e muitas vezes ficou em jejum; suportou frio e teve falta de roupas. Além disso, enfrentava diariamente uma pressão interior de preocupação com todas as igrejas (2 Co 11:23-29). Paulo sabia que Deus o havia colocado, em termos sociais e econômicos, em último lugar, como se fosse condenado à morte; como um espetáculo para o mundo; como louco, insensato, fraco e desprezado diante de anjos e de homens; ele não tinha residência fixa; era tratado brutalmente. Paulo diz que fora feito como o lixo do mundo. (1 Co 4:9-11)
Era esse o cenário de cristianismo que Lucas tinha em mente quando escreveu o evangelho. Então, ele sabia que seguir a Jesus não era uma coisa fácil. Ele sabia que seguir a Jesus exigia a renúncia completa do “eu”. Seguir a Jesus era certeza de sofrimento, de perseguição, de privação, de rejeição e de negação de todo o conforto que o mundo poderia oferecer. Seguir a Jesus era sinônimo de “tomar a sua cruz”; ou seja, encarar o mesmo tipo de sofrimento que Jesus encarou até a sua morte e ressurreição.
2.3 Como, e em que momento, essa história se encaixa na vida de jesus?
Lucas coloca essa história (9:57-62) exatamente após Jesus partir resolutamente para Jerusalém. Até então, o Senhor estava pregando na Galileia (100 Km de Jerusalém). Ali, ele fez muitos milagres, expulsou demônios, curou enfermos, ressuscitou mortos, multiplicou uma pequena quantidade de comida para alimentar 5000 pessoas.
Todos esses atos que ele fez serviam como uma mostra de quem Jesus era, ou seja, o Messias. Ele tinha domínio sobre a criação, ele tinha poder de conceder alimento e ele tinha o domínio sobre o príncipe deste mundo. A ele, os próprios demônios se sujeitavam. Jesus era o filho de Deus.
No entanto, agora ele havia decidido partir para Jerusalém. E Jesus sabia que estava seguindo para a cruz. Ele sabia que o caminho, daqui para frete, seria de rejeição, de humilhação e de angústia. Jesus sabia que sua morte estava próxima e que antes disso, ele seria completamente esmagado pelos homens.
Lucas diz (v 53) que se notava no seu rosto que ele estava indo para Jerusalém (seria esse um sinal da angústia que rondava o coração de Jesus?). A cruz era o seu destino, e tudo agora acontecia à luz desse destino.
Curioso é que, imediatamente antes de partir, começou uma discussão entre os discípulos de quem seria o maior no Reino de Deus (v 46). E logo depois de eles partirem, quando alguns samaritanos não quiseram receber a Jesus, esses discípulos perguntaram a Jesus se ele queria que os discípulos fizessem descer fogo do céu para destruir os samaritanos (v 54). Isso demonstra a completa ignorância dos próprios discípulos em relação ao caráter do ministério de Jesus e ao caráter do Reino de Deus. Eles ainda não haviam entendido que tipo de Messias era Jesus, e que tipo de Reino ele estava implantando.
E é nessa circunstância especial que o encontro com essas três pessoas ocorre. Em meio à decisão de Jesus em seguir para Jerusalém, o que significava rejeição, humilhação e sofrimento, e em meio às dúvidas e a revelação de quem era de fato Jesus e que tipo de Reino ele estava inaugurando.
O que vemos aqui são três pessoas reais que estão diante de Jesus e que são desafiadas pela necessidade do discipulado (ser discípulo ou não ser; seguir a Jesus ou não seguir). A primeira e a última se oferecem para seguir a Jesus. A segunda não se oferece, mas é convocada por Jesus para segui-lo.
3 O primeiro candidato ao discipulado
(v 57-58) Quando andavam pelo caminho, um homem lhe disse: “Eu te seguirei por onde quer que fores”. Jesus respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”.
3.1 Explicação
Há duas formas de compreender esse texto. A primeira é direta e acessível a qualquer leitor da atualidade. A segunda requer uma melhor compreensão do contexto histórico da época de Jesus.
Jesus havia se colocado a caminho de Jerusalém. O texto diz que, quando andavam pelo caminho, ou seja, provavelmente muitas pessoas andavam adiante dele, um homem lhe disse: Eu te seguirei por onde quer que fores. Este homem se ofereceu para seguir a Jesus, fosse onde fosse. A resposta de Jesus, as raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça, dá-nos a entender que o homem havia tomado precipitadamente a decisão de seguir a Jesus, sem de fato compreender tudo o que essa decisão poderia implicar.
Jesus estava se colocando a caminho de Jerusalém, e isso significava certeza de sofrimento, de rejeição e de angústia. Jesus era um homem pobre. Raposas tem tocas, aves tem ninhos, eu não tenho um lar. Aquele homem não havia entendido que não receberia conforto material se seguisse o Senhor. O caminho seria difícil, e ele não tinha a menor ideia disso. Esse homem não tinha calculado o custo do discipulado.
Esse é o sentido que nos parece familiar e mais simples. Mas algumas considerações históricas podem tornar o texto ainda mais rico.
Tenhamos em mente que, de modo geral, os judeus estavam esperando um Messias vencedor; alguém que libertasse Israel do cativeiro romano, que derrotasse os seus inimigos e que governasse o mundo. Um rei que devolvesse à nação de Israel o seu protagonismo no cenário político mundial.
Então, seria perfeitamente razoável que as pessoas daquela época esperassem um Messias que recompensasse generosamente seus fiéis seguidores quando vencesse seus inimigos e assumisse o seu trono. Ele possuiria riquezas, palácios, súditos, autoridade, influência, etc.
É também interessante notar algo que pode estar na mente de Jesus ao citar “raposas” e “aves do céu”. Kenneth Bailey[1] nos informa que, no simbolismo apocalíptico intertestamentário, o termo “aves do céu” simbolizava as nações gentílicas; e que “raposa” era símbolo dos amonitas, povo racialmente aparentado, mas politicamente inimigo. E o próprio Jesus identificou Herodes, que não era considerado um judeu pelos judeus, como raposa (Lc 13:32). Assim, as “aves do céu” seriam os senhores romanos, e as raposas, a dinastia de Herodes.
Diante desse cenário, podemos entender que o homem tinha uma expectativa errada sobre Jesus. Ele estava imaginando que Jesus seria uma autoridade nos moldes de Herodes, ou dos romanos. Embora ele acompanhasse a Jesus, ele não havia entendido que tipo de Messias era Jesus. O reino de Jesus não seria igual ao reino de Herodes, ou dos romanos. Ele não seria caracterizado por poder e influência. Ele não seria marcado pela prosperidade, pelo conforto e pela imponência.
Pelo contrário, as “raposas”, ou seja, Herodes e sua dinastia, tem palácios. As “aves do céu”, ou seja, os romanos, tem domínios e possessões; mas o filho do homem, não tem onde reclinar a sua cabeça. Jesus estava dizendo: Eu não sou como Herodes ou como os Romanos. Eu não estou oferecendo nenhum tipo de conforto.
E isso nos revela o problema daquele homem que se ofereceu para seguir a Jesus. Ele estava projetando em Jesus a imagem que ele tinha dos poderosos daquela época. Ele estava esperando de Jesus algo que o Senhor não havia prometido. Na verdade, ele esperava algo totalmente oposto àquilo que Jesus tinha para oferecer.
A resposta de Jesus foi, dessa forma, a seguinte: “Eu não sou esse tipo de Messias que você está esperando. Eu não posso te oferecer o que você está querendo. Se você quer conforto, poder e influência, seja fiel aos poderosos dessa terra; não a mim. Tem certeza de que você ainda quer me seguir depois de saber disso”?
Nós não sabemos a reação do indivíduo. Como comumente acontece nas parábolas de Jesus, fomos deixados na expectativa. E é claro que Lucas tem uma intenção: ele quer que o leitor se coloque no lugar dessa pessoa e reaja diante dessa revelação.
3.2 Aplicação
Nós falamos na introdução que o evangelho tem sido modificado de forma a permitir uma vida egoísta. E isso acontece quando deixamos a nossa vida ser modelada pelos contornos da nossa cultura, que é essencialmente materialista e hedonista. Quando a nossa vida é dirigida por essas “forças culturais”, tudo nela passa a girar em torno desse eixo, até mesmo a nossa fé em Jesus.
Nós acabamos fazendo exatamente o que aquele primeiro candidato fez. Nós projetamos em Jesus um ideal nascido a partir dessas forças culturais e nos oferecemos para segui-lo. Mas na verdade nós não estamos seguindo a Jesus. Nós estamos seguindo o nosso ideal achando que estamos seguindo a Jesus.
Aquele homem buscava um Rei nos moldes de Herodes, ou do Imperador Romano. E ele vestiu Jesus com aquela ideia e declarou fidelidade a ela. Ele projetou em Jesus o ideal nascido a partir daquela cultura. Ele esperava viver como se vivia na corte do Governador. Ele esperava viver como se vivia nos palácios das autoridades.
Mas Jesus sacudiu aquele homem quando disse que ele próprio não era aquele tipo de autoridade e que o seu reino não era aquele tipo de reino. Ele havia entendido tudo errado. Jesus não poderia lhe oferecer conforto, porque ele estava a caminho da morte. Ele não poderia lhe oferecer influência, porque ele estava a caminho da rejeição. Ele não poderia lhe oferecer poder, porque ele estava a caminho da humilhação. Ele não poderia nem mesmo lhe oferecer um dormitório, porque ele não tinha nenhum.
Assim como esse primeiro candidato, talvez você tenha se oferecido para seguir a Jesus, tenha andando há bastante tempo ao lado de Jesus e tenha até mesmo se engajado na missão de Jesus. Mas você já parou para pensar que Jesus pode não ser o tipo de Deus que você está esperando? Você já parou para pensar que Jesus talvez não esteja interessado em te dar o tipo de vida que você está esperando dele? Você já parou para pensar que talvez você foi influenciado de tal forma por essa cultura materialista e hedonista que você acabou projetando em Jesus a imagem produzida pelos seus próprios desejos?
Que tipo de Deus você realmente está seguindo? Um Deus que vive para te fazer feliz? Um Deus cujo principal propósito é te abençoar materialmente? Um Deus que realize os sonhos que a nossa cultura plantou na sua mente? Um Deus que te dê as coisas que você vê os outros desfrutando no Instagram?
Para ser um discípulo de Jesus, você deve saber exatamente que tipo de mestre ele é, e que tipo de Reino ele está oferecendo. Não permaneça no engano da vida egoísta. Não projete em Jesus a imagem nascida na nossa mente egoísta. Não confunda o Jesus que é revelado na bíblia pelo Espírito, com o Jesus que é projetado na bíblia pelas nossas influências culturais. Conhecer o Messias sofredor revela exatamente o que se espera do seguidor desse Messias.
O Reino de Jesus não é material e nem materialista. No Reino dele, o próprio Rei não possui um palácio (Lc 9:58). É um Reino ainda invisível (Lc 17:20-21). Ninguém pode vê-lo ou entrar nele, se não nascer de novo (Jo 3:3;5). E esse nascer de novo não é material, mas é espiritual. O Reino não vem na semelhança dos reinos do mundo (Jo 18:36). Nesse Reino, o maior é, na verdade, o mais humilde (Mt 18:4). Nesse Reino, o próprio Rei se oferece como um servo sofredor e abre mão da sua glória para cumprir a missão dada por seu Pai (Fp 2:6-8). E essa é a maior preocupação desse Rei: cumprir a missão e fazer com que os seus discípulos também cumpram a missão.
A fé não pode guardar relação com os Reinos terrenos, ou seja, com pobreza ou riqueza. A questão não é possuir bens ou deixar de possuí-los; você pode até possuí-los, mas deve viver como se não os possuísse; você tem que sentir-se livre de tais bens, não permitindo que seu coração se apegue à riqueza ou mesmo à pobreza; não permitindo que sua vida seja uma eterna busca por dinheiro e aparência. Não permitindo que o seu coração se achegue a Deus por causa dos bens materiais. O Reino de Deus não tem relação com os Reinos deste mundo.
Se decidimos seguir a Jesus devemos saber que sua prioridade não é nos dar conforto material, mas é cumprir a missão do Reino de Deus. O Reino é mais importante do que tudo aquilo que a traça e a ferrugem podem destruir.
Uma última vez: Jesus não é como Herodes ou como Augusto Cesar. Ele é o servo sofredor. Eles têm palácios. Ele não tem onde reclinar a cabeça. É esse o tipo de mestre que você quer seguir?
4 O segundo candidato ao discipulado
(v 59-60) A outro disse: “Siga-me”. Mas o homem respondeu: “Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai”. Jesus lhe disse: “Deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos; você, porém, vá e proclame o Reino de Deus”.
4.1 Explicação
Essa pessoa, ao contrário da primeira e da terceira, é chamada por Jesus para segui-lo. Siga-me, diz Jesus. A julgar pela resposta que esse candidato dá a Jesus, ele já tem alguma ideia de quanto o discipulado pode lhe custar e parece não estar disposto a tomar essa decisão imediatamente. Por isso, ele quer adiar o assunto. Isso sugere que o homem já acompanhava o ministério de Jesus e já havia raciocinado sobre se deveria segui-lo ou não. É possível que esse homem tenha andado indeciso por algum tempo e não tenha tido a coragem suficiente para dar o passo decisivo. Existe algum motivo que está fazendo esse candidato vacilar. Mas Jesus pode ter percebido essa situação e então vai até ele e determina: siga-me.
Mas ele prefere adiar essa decisão. Ele não está disposto a arcar de imediato com o custo do discipulado. O homem responde que tem um compromisso cultural mais importante. A frase “deixa-me ir primeiro sepultar meu pai” não significa que o pai estava morto. Não faria sentido, visto que, se o pai já estivesse morto, o homem deveria estar velando o seu pai, e não acompanhado Jesus. Conforme Kenneth Bailey nos informa, “sepultar meu pai” é uma expressão idiomática tradicional do oriente médio, que significa que o filho tem o dever de permanecer em casa cuidando de seus pais até a morte deles. Então, e só então, ele pode pensar em outras opções.[2] E isso não quer dizer que seus pais estejam velhos. Assim, ao dizer isso a Jesus, o homem está adiando o assunto de segui-lo para um futuro incerto e, possivelmente, distante.
Mas o que impede esse candidato de tomar essa decisão? Ele tem um compromisso muito importante com a sua família. E esse compromisso é como uma corda que o amarra a algo muito valorizado na cultura do oriente. Como um homem da palestina seria considerado pela sua comunidade se abandonasse sua própria família para seguir a Jesus? As pressões sociais são pesadas demais. A cultura palestina não tolera, digamos, a infidelidade com os compromissos familiares. Esse homem certamente seria dado como morto pela sua comunidade. Mais ou menos como no caso do filho pródigo.
Mas Jesus, mesmo sabendo de tudo isso, insiste: “Deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos; você, porém, vá e proclame o Reino de Deus”. Deixe que aqueles que não vivem para o Reino, se ocupem com as atividades que não são do Reino. Você, porém, viva para cumprir a missão do Reino de Deus. Jesus ordena que o segundo candidato deixe seus compromissos seculares, aqueles que não dizem respeito ao Reino, de lado; mesmo que isso lhe custe a sua imagem diante da comunidade. Mesmo que isso lhe custe tudo.
4.2 Aplicação
Este homem já tinha alguma ideia de que seguir a Jesus exigiria esforço. Ser discípulo de Jesus consumiria uma boa parte da sua vida. Ele sabia que teria de abrir mão de coisas que ele valorizada muitíssimo. Porém ele não estava plenamente disposto a colocar Jesus como eixo central da sua vida, em torno do qual tudo o mais deveria estar. Ele não estava disposto a enfrentar as pressões culturais que a decisão de seguir a Jesus poderia provocar.
Por outro lado, ele já era um observador de Jesus. Ele estava entre aquela multidão que acompanhava a Jesus regularmente, ganhava alimento, ouvia bons ensinamentos, recebia curas e bênçãos. Entretanto, Cristo não era o centro de sua vida, embora fizesse parte dela.
Esse homem já havia trazido Jesus para a sua vida. Ele já havia chamado Jesus para trabalhar nos seus projetos pessoais. Mas agora esse homem estava sendo chamado para a vida de Jesus. Ele estava sendo chamado para trabalhar nos projetos do Reino de Deus. E isso lhe custaria abrir mão da lealdade familiar cultural, e o assassinato de seu status social perante a comunidade.
E é isso o que significa o discipulado. Seguir a Jesus não é traze-lo para trabalhar nos nossos projetos. Pelo contrário, é deixar os nossos projetos em segundo plano e passar a trabalhar nos projetos de Jesus. Discipulado não é chamar Jesus para vivenciar a nossa vida. É Jesus chamando-nos para vivenciar a vida dele. Seguir Jesus não é uma tarefa a mais na nossa vida, como um segundo trabalho. Seguir a Jesus é tudo. É um compromisso que obriga ao discípulo reorganizar toda a sua vida para atender a missão do reino de Deus.
Ser um verdadeiro discípulo é colocar o Reino de Deus no centro da sua vida. O Reino é o filtro através do qual você enxerga toda a realidade; é o motor que dá movimento a todas as suas ações; é o fator principal a ser considerado quando você toma decisões. Um discípulo troca as coisas importantes para si mesmo, pelas coisas que são mais importantes para Deus.
Esse é o custo do discipulado. O Senhor exige dos seus discípulos que busquem em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça; as demais coisas serão acrescentadas no devido tempo. Ele exige que seus seguidores tomem a sua cruz, ou seja, cumpram a missão do Reino em primeiro lugar.
Isso não significa que você deve largar seu emprego, a sua família, os seus amigos e sair por aí pregando o evangelho de forma itinerante, embora alguns são chamados exatamente para isso. Mas significa que, a partir de agora, Jesus Cristo é o eixo da sua vida. Seu trabalho, sua família, seus amigos e todas as demais coisas que são importantes para você, devem girar em torno dele. Ele é o mais importante, e as demais coisas na sua vida, servem a ele; e servem à missão que ele te deu.
Mas é um fato que nós temos muitas dificuldades colocar o Reino de Deus em primeiro lugar na nossa vida. Nós precisamos identificar qual ou quais os motivos que nos fazem adiar essa decisão.
É possível acompanhar e observar Jesus pelo caminho, no meio da multidão, sem aceitar o chamado para seguir a Jesus. É uma relação sem compromisso. É uma relação confortável. Não é preciso se comprometer com o Reino de Deus. Não é preciso mudar sua vida. E, ainda, é possível que acompanhar a Jesus de longe forneça a falsa sensação do alívio; do dever cumprido; “eu faço a minha parte. Vou à igreja, ouço a palavra, participo da ceia, choro durante o louvor…”. É possível estar resolvido psicologicamente e viver uma vida egoísta.
Acompanhar a Jesus de longe, no meio da multidão, é um meio confortável de segui-lo sem a necessidade de abrir mão das vontades pessoais, dos prazeres que o mundo pode oferecer, sem encarar o sofrimento que é requerido de todo aquele que quer de fato tomar a sua cruz e seguir a Jesus. Observa-lo de longe é seguir a Jesus nos nossos próprios termos, e não nos termos de Jesus. É seguir a Jesus da nossa forma, do nosso jeito, e não do jeito que Jesus exige.
Mas o motivo para o segundo candidato adiar o discipulado está bem claro no texto. Ele tem uma demanda da sociedade para atender. Ele tem que ficar em casa até que seus pais morram. Que tipo de pessoa ele seria se ele decidisse seguir um jovem candidato à Messias, ao invés de atender a expectativa da sua sociedade? Certamente ele seria desprezado por toda sua sociedade. Assim, a cultura daquela época e a pressão imposta pela sociedade tornaram-se os maiores rivais de Jesus na vida daquele homem. Ou ele se dobrava a Jesus, ou se dobrava às pressões sociais, mais precisamente representada pelo seu dever familiar.
E quanto a você? O que tem te impedido de tomar a decisão? Quais são os rivais de Jesus em sua vida? Seria a sua carreira profissional? O seu padrão de vida? A sua imagem na sociedade? A sua preocupação com o futuro? A sua família?
Quaisquer que sejam os motivos para adiarmos o chamado ao discipulado, devemos entrega-los a Jesus hoje. Lealdade a Jesus, e ao reino que ele está inaugurando, é mais importante do que qualquer coisa que o mundo possa nos oferecer.
5 O terceiro candidato ao discipulado
(v 61-62) Ainda outro disse: “Vou seguir-te, Senhor, mas deixa-me primeiro voltar e me despedir da minha família”. Jesus respondeu: “Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus”.
5.1 Explicação
O terceiro homem ofereceu-se para seguir a Jesus: Vou seguir-te, Senhor, mas deixa-me primeiro voltar e me despedir da minha família. O termo “despedir” é utilizado como se o homem fosse pedir a benção, ou a autorização, de sua família. Embora exista uma tradução que apresente o texto “deixa-me primeiro dizer adeus à minha casa”, Kenneth Bailey nos mostra que se aplicarmos o termo “despedir” dentro do contexto cultural do oriente médio, o versículo seria melhor entendido da seguinte forma: “Vou te seguir Senhor, mas eu preciso da permissão do meu pai”.[3] A autoridade da família ainda tinha elevada importância para aquele homem.
Bailey ainda nos conta o exemplo de que quando estava apresentando esse texto aos seus alunos do oriente médio, diante da reivindicação de que a autoridade de Jesus seria superior à do pai da família, os seminaristas empalideceram. Imaginem então o quão perturbador foi ao ouvinte do século 1 ouvir de um jovem de 30 anos, aspirante a Messias, que sua autoridade era superior à de seu pai.[4]
A resposta de Jesus a essa condição vem de um exemplo do campo. Ele diz que “Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus”. Bailey, citando J. Jeremias, esclarece:
“O arado palestino, muito leve, é guiado com uma só mão. Esta mão, geralmente a esquerda, precisa ao mesmo tempo conservar o arado na posição vertical, regular a sua profundidade mediante pressão, e levanta-lo por sobre rochas e pedras que estejam em seu caminho. O arador usa a outra mão para guiar o boi teimoso com um aguilhão com cerca de um metro de comprimento, provido de uma ponta de ferro. Ao mesmo tempo ele precisa ficar olhando continuamente entre as pernas traseiras do animal, para não perder o sulco de vista. Essa forma primitiva de arado requer destreza, e atenção, e concentração. Se o arador olhar para os lados, um novo sulco é aberto fora da linha. Desta forma, quem quiser seguir a Jesus precisa estar resolvido a quebrar todos os laços com o passado, e fixar os olhos apenas no Reino vindouro de Deus.”[5]
Com essa metáfora, Jesus estava querendo dizer que quem desejasse segui-lo, não poderia possuir distrações, ainda que fosse a própria família. A tensão clara é entre a lealdade a Jesus e a lealdade à família. A pessoa que não consegue resolver o problema das lealdades conflitantes, e vive olhando para traz para ver o que a família está ordenando, é inepta para o Reino de Deus.
É interessante que o discipulado não é comparado a uma atividade intelectual, ou ao aprendizado de um conjunto de ensinamentos. O discipulado é comparado a uma atividade que exige esforço e dedicação total.
5.2 Aplicação
O terceiro candidato também decidiu seguir a Jesus, a exemplo do primeiro. Mas ele já tinha alguma ideia do custo. Ele sabia que para seguir a Jesus ele teria de deixar sua família. No entanto, ele só seguiria a Jesus se de fato fosse permitido pela sua família. Mas Jesus não aceita nenhuma autoridade superior à sua, mesmo se for a da sua família. O chamado do Senhor Jesus precisa ter prioridade sobre todas as outras lealdades.
Seguir a Jesus não é apenas uma atividade intelectual, e nem um passa tempo aos domingos. Servir a Jesus é uma atividade que exige toda a nossa atenção, sem distrações; é uma atividade que exige esforço e perícia, assim como o arado.
Pense bem: quanto tempo você tem investido na sua missão? Qual é o tamanho da sua dedicação, do seu foco, ao discipulado, em relação a todas as demais agendas que você tem? Qual é a importância que você tem dado para o aprendizado da palavra, para a oração, para a comunidade da fé, a fim de desenvolver o seu chamado?
O Reino de Deus exige esforço, foco e prioridade. Se você quiser ser um discípulo, terá de aprender a valorizar as coisas do Reino. Terá de aprender a priorizar o Reino de Deus na sua vida.
6 Conclusão
Quem, de fato, você está seguindo ou deseja seguir? Você está procurando o Messias sofredor, ou alguém que esteja lhe oferecendo conforto nessa vida? Alguém que esteja preocupado com a sua missão, ou alguém que esteja preocupado com o seu bem-estar? Um Messias rejeitado, ou um rei que te ofereça influência e poder nessa terra? Um Messias crucificado, que não tem onde reclinar a sua cabeça nesse mundo, ou um rei dono de palácios? Lembrem-se que quem prometeu os reinos do mundo em troca de adoração foi o diabo, e não Jesus.
Você está seguindo a Jesus, ou apenas observando a Jesus do meio da multidão? O que você fará hoje diante do chamado que Jesus está lhe fazendo para colocar o Reino de Deus em primeiro lugar na sua vida? Ele não está se oferecendo para participar dos teus projetos ou para entrar na sua vida. Ele diz: Segue-me. Ele está te chamando para participar dos projetos dele e para entrar na vida dele. Ele está te chamando para reorganizar a sua vida em função da missão que ele te deu. Ele está te chamando para mudar as prioridades da sua vida.
De onde estão vindo as pressões que te impedem de se entregar de coração e mente ao discipulado? Quem são os rivais de Jesus na sua vida? Seria o seu alto padrão de vida? A sua família? A sua busca pela aprovação dos seus colegas ou amigos? O seu alto cargo na empresa? Ou talvez a sua pobreza? As drogas? A pornografia? Os seus desejos mais íntimos?
A quem você oferece sua lealdade? À sua família? Mesmo eles não querendo que você se dedique à obra missionária, mas desejando que você gaste a sua vida em estudos e trabalhos para possuir uma vida confortável? À sua empresa? Mesmo eles sugando todo o tempo que você deveria investir no Reino de Deus? Ou talvez ao seu próprio ego, se entregando a todas as paixões que os teus olhos desejam?
O Reino de Deus não permite distrações. Ele exige prioridade. Ele exige esforço e dedicação. Ninguém que deseje realmente se comprometer com Jesus deve olhar para traz, caso contrário, o Senhor diz que este não é apto.
Cristo é paciente. Ele permite o nosso arrependimento e mais uma vez está nos chamando para segui-lo. Olhe para dentro de si agora e veja o que está te impedindo de seguir, de fato, a Jesus.
Que o Senhor nos ajude a sermos discípulos reais do nosso Senhor, Jesus, o Cristo.
[1] Bailey, Kenneth. As parábolas de Lucas. Tradução: Adiel Almeida de Oliveira. São Paulo: Vida Nova, 1995, 3 ed, p. 65.
[2] Ibid., p. 67.
[3] Ibid., pág. 70.
[4] Ibid.
[5] Ibid., pág. 71.
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